19 de mar. de 2009

3ª Exposição Virtual - Campo de São Bento






Um conto - Quando alguém ousou falar em paixão


autor: Flaviano Menezes

1 - Ela.
O carro e o seu coração estavam a 80 quilômetros por horas e ela ali, parada, diante daquele espelho. Um pequeno espelho, mas que bastava para refletir seus olhos tristes prestes a quebrar aquele retrovisor com tantas dúvidas. Pensava no grande erro que tinha a poucos instantes cometido ao confessar para alguém que estava sentindo algo mais do que o previsível entre dois amigos de trabalho. Estava diante de suas ações precipitadas e se culpava por isso. Sentia que tudo iria se repetir novamente; as mesmas imprecisões, a mesma solidão, outras infinitas dores sem sentido.
Alguém lhe perguntou na saída: - Estais melhor?
Teve vontade de responder-lhe; - Não estava com dor de cabeça para aliviar com uma conversa- homeopática!
Mas por ironia do acaso, a mesma pessoa que perguntara era agora a que a fazia sentir um orgulho frustrado por ter sentimentos tão risíveis quanto aquele que a desnudava naquele momento, daquele jeito. Resolveu não responder e apenas o olhou.
Queria acreditar naquelas palavras tanto quanto naquele olhar que, ao contrário, lhe pedia para beijá-lo novamente. Queria igualmente abraçá-lo, mas não com aquele gosto de pena que veio contra a sua arrogância. Era tarde para mais uma troca de favores, e assim, contentou-se com aquelas mãos ásperas contra suas pernas, apertando-as com uma força que ardia todas as suas expectativas. Saiu do carro.
Andou apressada, como se quisesse afastar-se o mais depressa possível daquele estado de ilusão, mas só ela sabia o quanto seriam difícil deixá-lo e encontra uma outra pessoa que a criticaria, ridicularia e lhe mostraria que tudo na vida vale a pena, menos dizer certas verdades que irão cedo ou tarde nos matar aos poucos. Teria que enfrentar a si mesmo.
Pensou em chorar; - Tenho que chorar, aconselhou-se.
- Chora garota imbecil! Dizem que faz bem. Mas as lágrimas não vieram, nenhuma se materializou, nenhuma quis representar a imagem da mulher que começaria a caminhar por um calvário cheio de esperanças cor-de-chumbo, uma mulher como tantas outras.
Continuou a andar, agora não sentia mas os meus passos, não conhecia o trânsito, não encontrava o caminho, apenas as batidas do tempo em meu rosto, como um vendaval de lembranças e esperanças perdidas e as lições não aprendidas. Caminhava entre dúvidas e tudo o que tinha como certeza era que cometera um grave e irrecuperável erro ao declarar a alguém: - Acho que estou apaixonada por você!
Poderia ter dito outra coisa, ou a mesma com outro sentido, ou a mesma com o mesmo sentido mas com outra intensidade. Não apaixonada, não um termo tão avassalador que nos torna prisioneiro de uma emoção tão instintiva. Mas foi categórica e intransigente; - Apaixonada! – repetiu.
Foi o que veio a cabeça, foi o que o precário vocabulário de uma moça que saiu do interior para ser advogada e conseguiu apenas um modesto emprego em uma empresa de transportes conseguiu extrair, foi a maneira mais simples de se condenar e livrá-lo como seu amado algoz.
Estava no caminho errado. Ali, naquela pessoa não encontraria nenhuma reciprocidade, no máximo, uma reação de carinho com doses sensíveis de pena, mas amparo ela não queria e talvez por isso, alguns segundos depois, disse-lhe; – Mas lutarei para esquecê-lo...
Estava no caminho errado. Ali não era a direção da minha casa, mas o que importava. Estava tão atônica com a sua coragem que poderia matar uma estrela e tão frágil que, uma segunda olhada para aquele carro que estava partindo poderia lhe aniquilar.
Perdia naquele momento a direção não só da sua morada, do seu porto-seguro, mas também da razão, o seu inquestionável senso prático e a felicidade de se estar só no mundo. Agora seu mundo intensamente giraria em torno de alguém que não poderia lhe retribuir esse amor, pois já era o mundo de um outro porém.
Seus olhos. - Ah! seus olhos melancólicos. Tão tristes que até a Lua não teve coragem de iluminá-los. Olhava-lhe com tanto carinho, cheia, sorridente, graciosa, mas consciente que aquela não era a hora de se mostrar amiga, ficou de longe tentando profetizar algo que a própria moça não queria saber, talvez uma breve tempestade.
- Apaixonada. Por que paixão? Não um sensível gostar, ou um falso amar. Por que ardia algo em seus pressentidos cometimentos desde quando aquele homem sorriu para ela, não um sorriso carinhoso e afável, mas um comprimento que dizia algo, mesmo que ele próprio tentasse disfarçar.
Mentiu ao dizer que, em nenhum instante lhe foi dada alguma esperança, teve todas as esperanças do mundo quando sentiu o seu perfume, a sua pele num aperto de mão, na simples menção do seu nome.
- Um simples sorriso pode desabrochar arrebatadoras paixões, não devemos sorrir tão facilmente. Pensou. E como seu sorriso era iluminado, tão iluminado quanto aqueles faróis que se aproximavam dela, aquela luz era tão forte quanto a sua estima por ele, aqueles faróis
– É ele! É ele! Voltando para alguém que realmente o ama - pensou.

2 - Ele
Estava estarrecido, perplexo e dissimulado. Sempre suspeitou daqueles olhos doces observando-o, mas chegar ao ponto de se declarar... Ele não esperava, realmente ele não esperava.
Quando ouviu a pergunta (- Você pode me dar uma carona?), suas pernas começaram a tremer, não sabia o que responder, apesar de já haver pensado em todas as formas de lhe oferecer a mesma.
Já havia pensado, na verdade, em todas as formas de tê-la em meus braços, fantasiado uma noite de amor em que pudesse desenhar o signo do prazer em seu corpo. Como ele a desejava, olhava seu corpo jovem e se excitava apenas em imaginar acariciando suas pernas, abrindo sua blusa e mergulhando em seu sexo.
Mas o pedido o pegou de surpresa. – Claro! Sim! Como não!
Nos primeiros dez minutos ninguém disse nada, um silêncio que quase o sufocou de êxtase. Notou que discretamente a moça levava a língua a molhar seus lábios como um precedente muscular para melhor expulsar alguma frase de efeito que iniciasse uma conversa trivial. Enfim, falou algo, mas ele não entendeu.
Tentou compreender qual caminho seguiriam até chegar ao ponto em que ela pretendia realmente alcançar. Na verdade, não lembrava nem o que disse antes, tudo se resumia em um pequeno instante em que ele parou o carro, ela o olhou e então disparou; - Acho que estou apaixonada por você!
Não só ele notou seus olhos ficaram mais iluminados, talvez por uma camada de lágrimas que não ousavam cair, mas também sua mão direita não resistira tão precioso ato, reagindo contra a sua sensatez máscula e espontaneamente afagando o ombro esquecer de sua colega de trabalho.
O rapaz tentou artificialmente mostrar uma embaraço que não existia. Houve, de fato, uma traição por parte de um sorriso desleal sobre uma tímida fidelidade quando ele a olhou com toda a ternura que pudesse lhe confortar naquele momento. Estava completamente feliz e a única coisa que imaginava era parar o carro e beijá-la calorosamente.
Ele a levou para uma rua perdida em um lugar qualquer e agradou-a com um abraço desajeitado. Por um momento, que não sabia se havia durado um minuto ou uma hora, pensou em suas vidas seguindo o mesmo caminho, mas lembrou-se de suas obrigações, de suas regalias e do emprego que poderia perder.
Enquanto ela se aconchegava em seu peito com um porto-seguro, ele inclinava a cabeça, como um tormento que o puxava para baixo, disse alguma coisa que, por sua vez, ela não entendeu e disparou com o carro para o centro da cidade.
Não disse mas nada. Pensou em ser o mais frio possível para que ela sentisse ira de seus próprios ato precipitados ou mesmo, ódio por amar alguém tão insensível, apenas passou a mão em suas coxas com um bom macho querendo dá esperanças aos seus instintos. Ela também não disse mas nada, apenas saiu do carro.
Ele ainda a olhou com a esperança de que ela ainda o olhasse da mesma forma quando disse aquela frase. Se ela o olhasse novamente...
Andou mais alguns quilômetros, parou e pensou em tudo que iria perde de voltasse. Valia apena voltar... Sim!
- Pros diabos o emprego, a mulher que o sustentava, a vida mansa de um executivo não-faz-nada. Ele também estava apaixonado e tudo se tornou mais real quando ele a vi parada na calçada, esperando que ele voltasse.

2 de mar. de 2009

LeiA-me : Resenha - Montello: O Benjamin da Academia

O livro Montello: O Benjamim da Academia, de José Neres (professor de Literatura da UFMA e autor de Os epigramas de Artur, em parceria com o professor Dino Cavalcante, de 2000; Estratégias para matar um leitor em formação (2005); 50 pequenas traições (2007), dentre outros) é a princípio dirigido ao público que gosta de literatura e principalmente deseja saber como um escritor consegue a “imortalidade” da Academia Brasileira de Letras. Nesse caso, seguiremos os últimos passos percorridos pelo maranhense Josué Montello até ingressar na tão almejada Casa de Machado de Assis.
José Neres não se apresenta como um pesquisador que se preocupa em parecer “sofisticado”, procurando sempre um termo pomposo para aparentar ser mais acadêmico, algo que acontece em demasia em nossas atuais, eruditas e entediantes obras bibliográficas. A análise sobre como o autor de Os tambores de São Luis conseguiu em 1954 a cadeira que outrora pertenceu ao também maranhense Artur Azevedo é menos acadêmica do que outras obras desse gênero e talvez por isso torna-se uma vantagem lê-la, isso porque, a finalidade da obra parte exatamente da preocupação de um pesquisador em apresentar os fatos, sendo ele próprio um observador, com notas necessários mas sem aqueles dispensáveis comentários tendenciosos.
Josué Montello nasceu em São Luís, em 21 de agosto de 1917. Estudou na escola Modelo Benedito Leite, onde fez o curso primário, e posteriormente no Liceu Maranhense. Ainda no Liceu dirigiu A Mocidade, onde publicou seus primeiros trabalhos literários. Ingressa na Sociedade Literária Cenáculo Graça Aranha e começa a colaborar nos principais jornais da cidade (Folha do Povo e O Imparcial). Ao mudar-se para Belém do Pará, consegui publicar seu livro de estréia e aos dezoito anos torna-se membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Muda-se novamente, agora para o Rio de Janeiro, em 1938 e integra o grupo de intelectuais “Dom Casmurro”, colaborando com esse periódico e outros jornais da capital. Em 1939, aos vinte dois anos de idade estava na Academia Brasileira de Letras lendo seu artigo “A índole da língua e a frase de Machado de Assis” e iniciando uma aspiração que só conseguia concretizar quinze anos mais tarde: a de ser um imortal das letras brasileiras.
O livro de José Neres começa esclarecendo porque Montello já se mostrava um acadêmico antes mesmo de adentrar com o fardão naquele templo das letras e como era querido pelos outros escritores e até pelos críticos literários, como o discordante Agrippino Grieco, que, em nota sobre a eleição de Montello para a Academia declarou essa pérola; “Isto não é novidade, o Montello é acadêmico desde a escola primária.”
A política interna da Academia, as expectativas, a candidatura, as cartas de pedido de voto, o auxílio indispensável de Viriato Corrêa, a votação e a vitória de Montello para a cadeira de número vinte e nove são alguns dos assuntos desvendados por Neres nesse necessário e instigante trabalho de pesquisa, que se utiliza também de cartas, notas de jornais e fotos do momento mais glorioso que um escritor pode almejar. Em suma: um livro muito bem escrito, em linguagem acessível e que, sem grandiloquências, dá uma lição de como apresentar um grande escritor para uma nova geração de leitores (e pesquisadores) que está se formando no Maranhão.


Flaviano Menezes