8 de fev. de 2009

Uma resenha - A Dama da Noite, de Caio Fernando Abreu

Flaviano Menezes

Dama da Noite, in “Os Dragões Não Conhecem o Paraíso”.Caio Fernando Abreu- Cia das Letras; São Paulo, 1988.
Não tem como iniciar a leitura do conto “A Dama da noite’ de Caio Fernando Abreu e não se remeter a proposta (ou denúncia) da canção do Chico Buarque “Roda Viva”. Segundo os dicionários, roda-viva significa movimento incessante, corrupio, cortado, sendo ainda sinônimo de confusão e barulho.
A música, como todos sabem, foi feita em protesto a ditadura militar, ditadura esta que representava essa roda que cortava os sonhos e as alegrias e até matava os jovens da década de 60 no Brasil. Através de metáforas, Buarque conseguiu transformar essa idéia de roda-viva (ou circulo da existência) em algo que estar relacionado a idéia de morte, de algo que nos faz perder a nossa identidade (“A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino prá lá …”).
Evidente que tudo teve que se metamorfosear com muita cautela para que o próprio autor conseguisse expressar sua revoltar e não ter que ingressar nessa roda de censuras. Algo que o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu também sentiu na pele quando iniciou sua carreira de escritor, e ao que tange uma maior liberdade de se expressar com palavras certeiras e sem translações, isso só foi possível quando outros autores começaram a perceber o grande cronista que ele era.
Caio é de uma geração que cria estórias com símbolos marcadamente contemporâneos, alegorias estas que nos faz inseri-lo com um pertenço representante dos autores ditos pós-modernos, sendo que, o conto A dama da noite é um exemplo claro dessa inovação estético-literária.
No conto, que pode ser confundido com um monólogo (e que pode sê-lo sem problema de se cometer uma injúria), a personagem principal se auto-denomina Dama da Noite (uma mulher que como a flor que recebe esse nome, apenas mostra seu verdadeiro “perfume” a noite) e seu ouvinte (e interlocutor) é um sujeito que ela apenas chama de “boy”. Essa denominação nos leva a criar algumas imagens desse segundo personagem que apenas será ouvido pela protagonista; ele seria jovem, inexperiente e confuso, sendo assim, um belo exemplo de uma geração que a partir da segunda metade da década de 80 se perdeu entre excesso de liberdade e inexistência ideológica. Uma geração que nasceu preocupada em se prevenir neuroticamente contra doenças, alienada com consumos fúteis e conformada com uma sociedade administrada por políticos corruptos.
A Dama da noite é a própria imagem do desencantamento e a roda que ela tanto divaga é a imagem de uma vida que a mesma não quis ou não pode seguir. Excluída de sociedade-modelo em que todos têm que ter carro, filhos, emprego e ter apenas um parceiro fixo.
A sexualidade é um dos principais assuntos explorado nesse conto, em várias oportunidade a personagem sugere que essa roda nos torna seres com limitações e que todos em certo momento dessa vida contemporânea procuram como escape seguir suas inclinações em direção a esses instintos para apaziguar as múltiplas frustrações, mesmo que todas essas satisfações se desembocam na imaginação:


[...] Mas anota aí pro teu futuro cair na real: essa sede, ninguém mata. Sexo é na cabeça: você não consegue nunca. Sexo é só na imaginação. Você goza com aquilo que imagina que te dá o gozo, não com uma pessoa real, entendeu? Você goza sempre com o que tá na sua cabeça, não com quem tá na cama. Sexo é mentira, sexo é loucura, sexo é sozinho, boy. (ABREU, 1988, p.96)

A narradora quase corrói a própria estabilidade do jovem ouvinte que até aquele momento se sentia apenas um indivíduo com todas as convivência harmônica que devem possuir o homem com o meio em que vive. E mesmo que Caio Fernando prenda-se a um tempo mais contemporâneo ao utilizar termos modernos, toda os seus questionamentos se dirigem não só as prostitutas, punks, michês e criaturas da noite, mas toda uma sociedade que não consegue se desencilhar dos preceitos dessa roda-maluca, mesmo que o principal tema seja a própria solidão, uma solidão que nos arrebatada em uma grande metrópole ou no dia seguinte depois de uma noite de satisfações ("Acordar no meio da tarde, de ressaca, olhar sua cara arrebentada no espelho. Sozinho em casa, sozinho na cidade, sozinho no mundo."(p.93).
Ao mesmo tempo em que há uma busca no outro por uma vida menos solitária, mesmo que essa companhia seja temporária, também estar presente no texto a decepção no discurso da protagonista em relação às amizades, muitas e duradouros laços de amizades, que foram se perdendo no tempo e nos desapontamentos. Nesse caso a afabilidade é sinônimo de fraqueza, de sintoma de cansaço ou fracasso.

Agora delicie-se com o texto: http://opiario.livejournal.com/29560.html

Obs: Agradeço ao meu caro e raro amigo Rodrigo França por me apresentar esse autor tão original e instigante.

2 comentários:

Rodrigo França disse...

Perfeito artigo!! Obrigado pelo elogio!!!

Unknown disse...

maravilhoso texto...parabéns