24 de jun. de 2009

Um ensaio - M de (Literatura ) Maranhense - parte I


Flaviano Menezes

Por quase dez anos (1652 a 1661), o Padre Antonio Vieira viveu (a contragosto) no Maranhão, então província do império luso. Tudo por causa de suas divergências com pessoas influentes da corte portuguesa que o designaram (pela Companhia de Jesus) a vir a adotar a "missão do Maranhão", algo que logo ele verificou ser dificílima. Em um dos seus celebres sermões, mas especificamente aquele que ficou conhecidopor Sermão da Quinta Dominga da Quaresma”, o sacerdote decretou;[...] que letra tocaria ao nosso Maranhão? Não há dúvidas de que tocaria a letra M. M de Maranhão, M de murmurar, M de maldizer, M de malsinar, M de mexericar e, principalmente, M de mentir. Mentir com as palavras, mentir com as obras e mentir com o pensamento, porque de todos e por todos os modos aqui no Maranhão se mente. Novelas e novelos são moedas recorrentes desta terra, com uma diferença, as novelas armam-se sobre o nada e os novelos armam-se sobre muitos, para tudo ser moeda falsa”.

Gostaria muito de assegurar que, se o Padre Vieira vivesse nos nossos dias ele certamente teria outra opinião sobre o nosso povo. Mas eu, como os meus antepassados, estaria também mentido. O “M” perpetua-se, a letra do nosso Estado continua a ser fonte de adjetivos injuriosos, blasfêmicos e apropriados para com o nosso povo. É evidente que o sacerdote estava se dirigindo a uma província mal-estruturada da segunda metade do século XVII, mas isso não impede que nós, maranhenses do século XXI, observemos o que mudou (ou não) na maneira toda especial de ver e sentir da nossa gente. E isso se aplica também ao “quase” inatacável mundo da nossa Literatura.

Continuamos a Murmurar (quando não gostamos de uma obra literária maranhense e apenas temos coragem de fazer tal crítica quando estamos na companhia de conhecidos, ou quando professores estamos diante de uma sala preste a ser arrebatada, mas quando nos aproximamos de uma platéia maior mudamos de opinião), a Maldizer (quando criticamos que a nossa Literatura não é a mesma, porém, quando alguém quer apresentar novas idéias ou novos talentos, viramos o rosto ou dizemos que isso não é literatura e bom mesmo era Gonçalves Dias!?), a Malsinar (quando desejamos que o GEIA não dê mais certo porque somos de tal partido, ou que a Feira do Livro não seja organizada porque somos amigos de tal autoridade, ou quando não escolhemos nenhum dos poemas para levar o prêmio porque não temos nenhum “camarada” na disputa), a Mexericar (quando perdemos a oportunidade de escrever uma excelente biografia de um literato maranhense e apenas listamos algumas curiosidades da vida do mesmo e dizemos que isso servirá para “futuras análises” de suas obras), a Minimizar (quando defendemos a Literatura Maranhense, mas não compramos livros de autores da terra para nossos filhos, sobrinhos e alunos lerem e não sabemos informar para algum turista quem é aquele tal Nauro Machado que dá nome aquela praça no Bairro da Praia Grande) e finalmente, continuamos a Mentir.

Entretanto, não quero apenas me proferir sobre o lado negativo desse atributo dado pelo Padre Vieira aos moradores da Ilha de São Luís, mas algo que vai além da sua relação com a intenção de prejuízo ou dolo, ou melhor, a sua estreita afinidade com a literatura, ou “as novelas” como o próprio padre pronunciava.

Todos nós sabemos que a mentira nem sempre é o contrário da verdade, mas que, na maioria das vezes é apenas uma invenção deliberada, uma ficção. Deduzimos também que nem toda ficção ou fábula é sinônimo dessa mentira, isto é, possui uma intenção de enganar (esta, mais relacionada com a ética e a moral) mas sim, deturpação da realidade. É evidente que, antes mesmo de relacionar a literatura com a mentira alguns irão dizer que isso não tem o menor sentido, pois não podemos falar da criação literária como produto da falsidade, quando a própria literatura nos proporciona a radical consciência da nossa realidade. Mas se a literatura fosse apenas uma reprodução da realidade, qual seria a sua utilidade e sua fascinação? Seria apenas um “inutensílio” como já dizia o poeta Manoel de Barros.

A literatura é uma grande mentira. O autor olha para o mundo, sente suas variantes e começa a mentir, ou melhor, a escrever, tão simples quanto convencer o leitor que tudo o que está naquelas páginas é verdade, já que o próprio leitor ao abrir um livro de ficção possui uma pré-disposição a ser (in)conscientemente enganado. Assim, a mentira na literatura se disfarça pomposamente de discurso fictício, mas referida acepção é apenas uma demoninação teórica para fingimento, invenção, farsa, etc.

O Maranhão possuiu e possui grandes mentirosos na sua Literatura, alguns tão inspirados que conseguiram escrever sobre uma terra natal que nem se lembravam, outros viajaram pelo mundo antes mesmo de navegar pela Baia de São Marcos. Alguns foram mais lacônicos, mas não menos inverossímeis, quando criaram seres do mar, entidades dos becos escuros e heróis quase imortais. Nesse caso, não precisamos fazer uma distinção entre narradores e ficcionistas, ambos no Maranhão são bem representados no quesito fingere, mesmo que, para alguns a ficção seja algo muito mais sofisticado do que a mentira. Mas convenhamos, em ambas a intenção de enganar prevalece, às vezes expandindo tal intenção até mesmo do autor para a própria criatura.

Quem foi o Guesa de Sousândrade? O próprio Sousândrade, que jurava de pés juntos que havia viajado por toda a América do Sul para criar seu personagem mais famoso. O homem que combatia a monarquia, a escravidão, os impostos portuguesas e a hipocrisia da elite ludocense se transformou no índio guerreiro arrancado do seu lar e que numa peregrinação herculana tenta revitalizar a cultura indígena, combater o capitalismo e promover a redenção de toda a raça humana. iCamilo Castelo Branco afirmou em certa ocasião que achava que o poeta era o “mais extremado, o mais fantasista e erudito poeta do Brasil, no seu tempo”, mas achava que seu poema pesava e enfarava pela demasia dos adubos. Em outras palavras, era um “senhor” mentiroso, mas não precisava inventar tanto.

CONTINUA...

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