29 de jul. de 2009

Um poeta: Ferreira Gullar II


Seu segundo livro é de 1954. Apenas cinco anos de estudos e experiências poéticas distanciam o Ribamar Ferreira de Um pouco acima do chão, do provocativo Ferreira Gullar d´A luta corporal. A obra foi recebida como uma “inventiva prova de formas insólitas que a nova poética brasileira estava inventando” e para Mário da Silva Brito; “Um livro feito das muitas dores do homem”.

Gullar tinha apenas 24 anos quando terminou A luta corporal, uma obra radical que abriu caminho para a transgressora poesia concreta e na qual é fácil perceber as muitas lembranças inspiradoras (dolorosos ou não) do jovem poeta em relação a sua cidade natal. Mesmo assim, o autor não vestiu a capa do jovem provinciano que, surgindo na condição de retirante nordestino, pedia um pouco de atenção para as suas propostas estéticas contra o academicismo de nossas artes. Porém, às vezes, o radicalismo dar vazão ao personagem necessitado que vai tentar melhorar de vida na cidade grande, como neste trecho de Corpo a corpo com a linguagem, artigo publicado em 1999;

Sou um poeta do Nordeste brasileiro, um poeta do Maranhão, da cidade de São Luís do Maranhão. Sou um poeta da Rua do Coqueiro, da Rua dos Afogados, da Quinta dos Medeiros, do Caga-Osso, da Rua do Sol e da Praia do Caju. Um poeta da casa do quitandeiro Newton Ferreira, da casa de Dona Zizi, irmão de Dodô e de Adi, de Newton, de Nelson, de Alzirinha, de Concita, de Leda, de Norma, de Consuelo, amigo de Esmagado e de Espírito da Garagem da Bosta. Um foragido e um sobrevivente. Alguém que conseguiu escapar do anonimato, que vem do sofrimento menor, da tragédia cotidiana e obscura que se desenrola sob os tetos de minha pátria, abafada em soluços, a tragédia da vida-nada, da vida-ninguém. Se algum sentido tem o que escrevo, é dar voz a esse mundo sem voz. Mas não há nenhum mérito nisso. Primeiramente, fugi. Fugi da quitanda, fugi da família, da vida sufocante e pouca. Fugi pela poesia, inventei um mundo feérico e feroz. Um suicídio esplendente: ateei fogo ao verbo, minhas vestes mortais, como se fosse meu corpo. Não era. E sobrevivi, sobrevivi, sobrevivi. Abati a poesia, calquei-a sob os pés, mijei nela. Lavei as mãos, virei concretista, neoconcretista, enterrei o poema numa casa da Gávea. E sepultei com ele a metafísica.

O autor definia a obra como um “suicídio poético”, na qual tentou de todas as formas moer os versos abstratos e principalmente, ultrapassava a barreira da língua dita oficial. Recebe elogios rasgados de Oswald de Andrade, Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, e em pouco tempo é convidado para trabalhar nos melhores jornais da cidade, escolhe ser revisor na revista Manchete. Volta ao triturador e de signo em signo começa a reconstruir o Verbo.

No Maranhão, o também jovem e ambicioso Sarney entra (aos 22 anos) para a Academia Maranhense de Letras e lança sua primeira obra; A Canção Inicial (1952), mas mesmo com a demonstração da verve literária consolidada, a recepção dos não-imortais maranhense diante do esforço do então poeta-político (ou político-poeta?) foi desfavorável, como lembra o professor e historiador Wagner Cabral:

Mas também o “escritor Sarney Costa “forçou e invadiu” a Academia Maranhense de Letras – “templo da imortalidade precária e duvidosa” – e “hoje entope a poltrona presidencial da Casa de Antônio Lobo”, pois não teria qualidades literárias para ali estar. E mais, o “cidadão travestido de poeta” um dia teve “a infelicidade’ de lançar “ um livrinho”, Canção Inicial (1954), “à guisa de produção poética, enfeixando frioleiras tão ridículas, que se ajustavam mais ao título Canção Crepuscular, porque revelam o produto de uma mentalidade delirante, debatendo-se para libertar-se de um espírito atrofiado. (Diário da Manhã in Sob o signo da morte; O poder oligárquico de Victorino a Sarney, de Wagner Cabral da Costa, 2006, p.221)

Continua.

Um comentário:

Anônimo disse...

QM NAUM SE APAIXONA POR GULLAR!

BELO BLOG...