10 de jul. de 2009

Uma resenha - A metáfora viva, de Paul Ricoeur

resenha produzida para a disciplina de Filosofia e Literatura

RICOEUR, Paul. A metáfora viva. Trad. Dion Davi Macedo.São Paulo; Loyola, 2000.
Flaviano Menezes da Costa

O conceito de metáfora não é uma definição encerrada. A princípio ele, o conceito, só existirá na condição de ser, na sua essência, uma adaptação contínua e consequentimente uma exposição sobre o que ultrapassa o plano da palavra, da espécie, do gênero, etc. Assim, conceituações sobre a metáfora, observado em momentos diferentes, podem corresponder a interpretações desiguais ou limitadas.

O filósofo grego Aristóteles definia a metáfora tendo em vista esse extensão de sua conceituação, pois a própria etimologia da palavra (meta = além e pher = transpor), nos indicava não só que ela é uma figura de linguagem que desvia (tropo) para uma coisa um nome que a principio designa outro objeto, mas também seu próprio dinamismo lexical. Contudo, Aristóteles afirmava que essa figura de linguagem pertenceria apenas à lexis (ao ato de falar), portanto, que surgiria depois da dianoia (o ato de pensar), isto porque, só existiria metáfora no tangente a ação de alguém querer expressar suas impressões na oralidade e principalmente na escrita.

Para o autor da Poética a própria escrita não seria uma grafia, mas algo que se aproximava de uma fônica (um átomo da fala), isto é, daquilo que se ouve e se reproduz. Por isso, não é de se surpreender que o filósofo situasse a metáfora junto a homoiosis (semelhança) e a mimesis (imitação). Nesse caso, o duplo dinamismo em que Aristóteles postulava a metáfora nos permite pensá-la tanto no conjunto dos desempenhos miméticos (de uma poesia, por exemplo), como na convicção do discurso - algo que nos atenta para uma clara função analógica imprescindível para o desenvolvimento de uma retórica. Porém, mesmo esse duplo dinamismo não proporcionava à metáfora o multidirecionamento topológico que possuía e a limitava a um simples deslocamento na significação das palavras.

Para o filósofo francês Paul Ricoeur, a metáfora poderia sim, possuir esse deslocamento na sua essência semântica, mas aquela não deveria ser afastada da frase (como um fenômeno de denominações), pois o próprio “jogo de sentidos” a faz participar do enunciado frasal.

Tido como um dos mais expressivos e renomados filósofos do século XX, e respeitado pesquisador da área da hermenêutica (principalmente análises de textos bíblicos) e da fenomenologia, Ricoeur publicou em 1975 A metáfora viva, uma busca sobre o engenhoso mundo da linguagem e a capacidade da metáfora de sobrevir na realidade desta. Para o filósofo, a metáfora possuía como principal papel renovar figuras e acepções lingüísticas, isto é, tornar-se viva.

As questões sobre como Aristóteles definia essa metáfora limitando-a como uma “comparação abreviada” e os desdobramentos da retórica e da poética são os relevantes assuntos do primeiro estudo da obra, sendo que, o segundo estudo é dedicado ao modelo retórico da tropologia, visto como “em declínio”, assim como uma explanação sobre tropo, figuras e a família da metáfora.

Nos estudos 3, 4 e 5 os temas são as relações entre a metáfora e a semântica do discurso e a semântica da palavra (em que indicará a metáfora como “mudança de sentido”) e sobre a estreita relação entre metáfora e nova retórica.

Os estudos 6 e 7 são a introdução da argumentação ricoeuriana sobre a defesa de semelhança (ícones e imagens) e a argumentação contra a referência, na qual afirmará que, a imagem sensível possui em si uma análise sobre a existência de um período sensível. Para isso, posteriormente afirmará que o poeta (como artesão que melhor explora essa ferramenta) designaria as suas metáforas através da (re)construção das imagens. A partir de então, Ricoeur construirá a sua proposição sobre a referência metafórica, na qual possuirá como exemplo o jogo de sentido que existe entre a frase e a palavra.

Referente ao oitavo e ultimo estudo da obra – Metáfora e discurso filosófico - percebe-se que Ricoeur espera está diante de um leitor que já tenha tirado algumas conclusões sobre o verdadeiro valor da metáfora, ao passo que, terá como ambição explorar um novo postulado da ontologia implícita à teoria dessa metáfora, para isso, mostra-se disposto a retomar algumas questões já discutidas ou expostas.

Como base para investigar a metáfora, o autor utiliza-se das ferramentas filosóficas da interpretação dos textos, portanto, da hermenêutica, que se deslocará da retórica a semântica e dos problemas de sentido para os de referência. Será uma investigação postulada por pressupostos filosóficos, mesmo porque, segundo o autor, nenhum discurso conseguiu se valer fora do âmbito dos pressupostos, algo que ocorreu até mesmo entre os pensadores antigos.

Quando se enuncia que os postulados da semântica e da hermenêutica são postos em ação pela teoria da referência metafórica, tais postulados o autorizaram a também ver/criar, no fim do mesmo estudo, o objeto ontológico da enunciação metafórica como algo a “ser como”. Para tais afirmativas será necessário saber qual filosofia conduz a investigação do movimento da retórica à semântica e do sentido à referência, assim como a pluralidade das formas e dos níveis de discursos.

Ricoeur propõe novas formas de ver a conexão entre os discursos metafóricos e os discursos especulativos, já que, para o filósofo, não haveria nenhuma passagem direta entre o funcionamento semântico da enunciação metafórica e a doutrina transcendental da analogia, algo proposto por Aristóteles, mas que declarava, em outras palavras, apenas a autonomia do discurso filosófico. Assim, a questão da relação metáfora/ analogia já começa a ser analisada quando o filósofo francês indaga sobre; “Como é que a analogia é posto em jogo, senão explicitamente (uma vez que a palavra não é anunciada), pelos menos implicitamente?

Outras duas questões sobre essa descontinuidade seria a antiga proposta da forma de ver a transição do discurso categorial entre a metáfora poética e a equivocidade transcendental (que essencialmente criava apenas uma confusão entre a analogia e a metáfora) e a proposta de inversão da forma de como lidar com as implicações da filosofia na teoria da metáfora, isto é, se deslocar da metáfora viva para a metáfora morta (ou “aquela figura que não se diz mas se supera na dissimulação”).

Essa descontinuidade sempre foi proposto por um modo de discurso que combinava ontologia e teologia, algo que também se ver analisado em algumas obras de Kant ou Heidegger e ficou conhecido como uma ontoteologia, sendo que a própria doutrina tomista constituiu para estabelecer um discurso teológico no nível de uma ciência, assim, o discurso teológico por muitas vezes perdeu todo o apoio do discurso categorial do ser.

Outra questão levantada por Ricoeur é a afirmação de Heidegger de que “o metafórico só existe no interior da metáfora”, ou em outras palavras, que a trans-gressão da metá-fora e da meta-física não seriam senão uma única e mesma transferência. Assim, Heidegger apresenta etimologicamente como a linguagem tem sido apropriada inadequadamente pela filosofia, algo que Ricoeur concorda, mas na sua análise, apesar do filósofo alemão apresentar um empenho para consentir que as palavras sejam algo além do significado que os filósofos lhes atribuem, há também uma ponta de pretensão de um capricho (já histórico entre os filósofos) em fadar o nome com “ser” limitado no mundo da linguagem e no porque não dizer, no mundo da filosofia, caindo naquilo que talvez estivesse criticando, numa “metafísica da presença”.

Essas questões e suas novas intersecções hermenêuticas tornam possível retomar questões apresentadas no inicio da obras, como; qual filosofia implicada no movimento que conduz uma investigação da retórica à semântica e do sentido para a referência? Ou - Há uma conexão entre as questões do conteúdo da ontologia implícita e do modo de implicação entre o discurso poético e discurso especulativo?

Para isso, Ricoeur lembra que há a necessidade de enfrentar duas tarefas a priori: edificar sobre a diferença reconhecida entre modalidades de discurso uma teoria geral das intersecções entre esferas do discurso e também sugerir uma interpretação da ontologia implícita aos postulados da referência metafórica que satisfaça a essa dialética. Possivelmente por isso, o autor afirme que a atração que o discurso especulativo exerce sobre o discurso metafórico se exprima no próprio processo interpretativo, concluindo que a interpretação seria então uma modalidade de discurso que operaria na esfera do metafórico e do especulativo.

No ultimo tópico deste oitavo estudo – Explicitação ontológica do postulado da referência - o autor atesta que, só por uma explicação ontológica do postulado da referência pressuposta no estudo precedente é que o discurso especulativo poderá responder ao objeto semântico do discurso poético.

Segundo Ricoeur, existindo uma relação da linguagem com a realidade, não devemos mas falar de uma tarefa da lingüística, mas da filosofia, pois as condições de possibilidades de referencia da significação da linguagem em sua totalidade depende da relação desta com o que existe ao seu redor. Portanto, é à filosofia que cabe a responsabilidade de tal tarefa, por ser do seu domínio a “arte de ordenar as multiplicidades reguladas”, e segundo o autor; “é neste espírito que importa fundar sobre a fenomenologia dos objetivos semânticos de cada um dos discursos uma teoria geral de suas interferências”.

O autor conclui que, significar as coisas em ato seria ver as coisas como não impedidas de advir, vê-las como aquilo que eclode e é nessa interpretação crítica que entraria a filosofia e a arte, no fazer do poeta.

2 comentários:

Unknown disse...

Quem te viu, quem te vê. Falando de Paul Ricoeur, um verdadeiro filosofo. Parabéns. Mais sinto falta das poesias.

Unknown disse...

Olá, adorei o texto, parabéns! Preciso da refêrencia do livro, pode postar aqui? Desde já agradeço... Visite meu blog: jessicaverona.blogspot.com